quinta-feira, 30 de abril de 2009

1º de Maio: a juventude contra a exploração do trabalho juvenil

Anderson Campos

A maior parcela dos jovens e das jovens do país é trabalhadora. Seja porque estejam trabalhando, seja porque estejam à procura de trabalho. Vivem uma dura realidade, dada a intensificação da exploração do trabalho de jovens. Sua condição social é de vulnerabilidade.
Para que a juventude não fique à mercê da ânsia do capital, é preciso que haja políticas públicas que possam protegê-la da exploração do trabalho. É papel do Estado evitar que a juventude precise procurar trabalho, pois estará condenada às piores condições. Ela necessita do direito de não trabalhar.
Nesse 1º de Maio, os jovens e as jovens do país precisam expressar o desejo consciente de recusar a exploração do trabalho.
Condenação ao trabalho indecente
O mercado de trabalho brasileiro possui características extremamente negativas: altas taxas de desemprego, profunda precarização nas relações de trabalho e ampla liberdade dos empresários para demitir, estabelecer jornadas de trabalho e vínculos de trabalho. Nos anos neoliberais, sob o Governo Fernando Henrique Cardoso, foram ampliados todos esses aspectos negativos. Ao mesmo tempo, o governo tucano reduziu os investimentos sociais, principalmente no que diz respeito à educação pública.
Com elevação contínua do desemprego, desvalorização do trabalho e empobrecimento das famílias, o neoliberalismo jogou massas de jovens ao mundo do trabalho. Mas essa juventude foi jogada de forma vulnerável: precisavam aceitar qualquer tipo de trabalho para poder ajudar na renda das suas famílias.
Trata-se de uma mão-de-obra mais desqualificada e com menor experiência. Por aceitar as piores condições, os capitalistas acabam contratando jovens temporariamente, com salários menores e sem o risco que eles venham a participar do sindicato. Sim, porque o medo de perder o emprego faz com que o jovem não atenda a convocação do sindicato para lutar por seus direitos.
Uma das conseqüências dessa situação é que a maioria da juventude trabalhadora está ocupada em trabalhos informais, ou seja, não possuem carteira de trabalho assinada. Com isso, não possuem proteção social do Estado. Em outras palavras, não tem direito a férias remuneradas, licença-maternidade, auxílio-doença e não poderão gozar de uma aposentadoria. A maioria da juventude trabalhadora está desprotegida socialmente, dada a forma como ela entra no mercado de trabalho.
Vejamos o exemplo das jovens mulheres oriundas de famílias pobres. Condenadas ao trabalho doméstico e ao cuidado da família, abandonam cedo os estudos. Trabalhando fora de casa, ainda muito novas, serão trabalhadoras domésticas com baixos salários, sem carteira assinada e com longas jornadas (de domingo a domingo). Mesmo quando têm acesso a políticas públicas de reinserção à educação e à qualificação, como o Projovem, do Governo Federal, a evasão delas é superior a dos homens. Isso porque a ausência de creches públicas e continuidade da responsabilizaçã o da mulher sobre o cuidado dos filhos impõe a elas a única opção: voltar ao trabalho doméstico.
As mulheres jovens têm no trabalho doméstico sua principal forma de inserção ocupacional. Elas seguem o caminho inverso ao dos homens. De acordo com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) , apenas 0,6% dos jovens homens entre 14 e 29 anos que somente trabalham e não estudam estão ocupados em trabalhos domésticos. Esse percentual sobe para 16% para as jovens mulheres. E, para elas, a informalidade também é regra: apenas 3% possuem carteira assinada.
Dada a situação tão exposta à exploração do trabalho, são os jovens os mais impactados pelo adoecimento provocado pelo fato de trabalhar. De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social 2007, cerca de 40% dos acidentes de trabalho ocorrem com jovens. Sendo obrigados a aceitar as piores condições de trabalho e, dada a ausência de mecanismos fortes de proteção social, a juventude trabalhadora está mais sujeita a acidentes e doenças provocadas pelo trabalho.
Pelo direito de não trabalhar
Valorizar o trabalho de jovens significa criar mecanismos que impeçam o trabalho informal e a entrada precoce no mercado de trabalho. A exigência de políticas de Estado que punam empresários que não formalizam contratos deve somar-se à inclusão de cláusulas nos acordos coletivos que imponham regras para facilitar a permanência ou o retorno ao sistema educacional formal.
Isto reduz o impacto sobre a precarização do trabalho juvenil. Porém, não evita que cada vez mais jovens inicie a busca por uma ocupação.
A origem social do jovem (a condição de vida da sua família) é o que define a forma da sua inserção no mercado de trabalho. Os jovens de famílias com maior poder aquisitivo têm melhor inserção no mercado de trabalho. Estas possuem condições de financiar a vida estudantil de seus filhos. Não estamos falando aqui de famílias ricas. Mas, com condições de permitir que seus filhos possam estudar e ter acesso à arte e ao lazer, se assim o quiserem.
Desta forma, esses filhos de famílias com maior poder aquisitivo entram no mercado de trabalho mais tarde, quando terminam seus estudos. Acessam ocupações formais com carteira assinada, com maior remuneração e, portanto, possuem um perfil mais protegido socialmente.
Não é o que ocorre com a maioria das famílias brasileiras. Cerca de 60% dos jovens brasileiros pertencem a famílias que possuem renda per capita familiar de até um salário mínimo. Esses pais e mães não têm condições de financiar a vida estudantil de seus filhos e filhas.
Entre os jovens que somente trabalham e não estudam, os mais novos são também os mais pobres. Ou seja, quanto mais pobre for sua família, mais cedo o jovem necessita entrar no mercado de trabalho. Ele é uma fonte de renda extra para a família, importante para a sobrevivência coletiva. Acabam abandonando seus estudos para dedicar integralmente o seu tempo ao trabalho.
Garantir o direito à educação é exigir a criação de políticas educacionais, públicas e universais, que possibilitem reverter o quadro alarmante do número da evasão escolar provocada pela necessidade de trabalhar. A CUT defende o incremento de políticas de transferência de renda que garantam aos estudantes sua permanência no sistema educacional. Se as famílias, por sua baixa renda, não tem condições de mantê-los longe da exploração do trabalho, essa manutenção deve ser responsabilidade do Estado
Somente por meio de com políticas emancipatórias é que a juventude poderá exercer o direito de não trabalhar.
Resistência juvenil ao domínio do capital
A ausência de mecanismos de proteção social, o acirramento da concorrência por um posto de trabalho, a diminuição das expectativas de futuro e imposição ideológica segundo a qual as relações sociais se estabelecem por meio do consumo de mercadorias produziram impactos desastrosos sobre os princípios da coletividade e da solidariedade.
A luta juvenil, na sociedade capitalista, precisa ser organizada em torno da busca pela elevação da consciência de classe. Perceber-se enquanto jovens oriundos/as da classe trabalhadora é um primeiro passo para a tomada de consciência. Organizar a luta social contra a mercantilizaçã o das relações sociais e para responsabilizar a exploração do capital pela imposição da situação precária de vida são passos significativos para a formação da identidade de classe.
Os impactos desse contexto sobre a cultura política são desastrosos. Os valores e práticas políticas que advém dessa condição social contribuem para a manutenção do estado presente das coisas. São valores formados historicamente e não escolhas individuais e autônomas. Dessa forma, as saídas individuais não constituem alternativa coerente.
Se não existirem formas de contraposição aos códigos sociais conservadores, mantêm-se a conformação e aceitação das opressões sociais, do hedonismo e do individualismo como instrumentos de subserviência de um adulto padrão.
A juventude organizada nos movimentos sociais, como vanguarda social e política inserida no meio da classe trabalhadora, possui a tarefa de construir símbolos e valores políticos antagônicos à dominação do capital.
Superar a ordem social capitalista requer a conquista de corações e mentes para participar ativamente da construção do poder popular. A construção de uma nova cultura política, com bases completamente diferentes das que estão postas, é condição necessária para a adesão consciente da juventude a esse projeto – que chamamos de socialismo democrático.
Anderson Campos, sociólogo, Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (CESIT/Unicamp) , é assessor político-sindical da CUT Nacional.
anderson@cut. org.br

terça-feira, 28 de abril de 2009

CNTE promove debate nas escolas

Escrito por Agência Brasil
Qua, 22 de Abril de 2009 18:15
Brasil Começou no dia 20 de abril, em todo o País, uma semana de conferências escolares estaduais e municipais em defesa da educação pública brasileira. Coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), a mobilização vai culminar com uma paralisação geral dos professores de escolas públicas de todo o Brasil na próxima sexta-feira."Essas conferências escolares têm incluído vários temas de discussão nas escolas, desde o financiamento da educação, a gestão democrática e qualidade da educação. E no dia 24 teremos greve nacional de um dia em defesa do piso que não foi implantado ainda por muitos Estados", explicou Denilson Costa, secretário-geral do CNTE.Segundo ele, mesmo os professores dos Estados que aplicam o piso de R$ 950 estipulado por lei federal vão parar para defender a aplicação de outros pontos da lei que ainda não são respeitados."Na verdade, essa é uma lei que tem várias conseqüências, porque tem Estados que aplicam o piso, mas não respeitam a jornada de trabalho ou o reajuste anual do piso, por exemplo", explicou Costa.As conferências que ocorrerão ao longo da semana também terão como objetivo preparar os delegados que irão para os encontros estaduais e municipais preparatórios à Conferência Nacional da Educação, que será realizada no próximo ano.A Semana abordará, também, as diretrizes nacionais de carreira do magistério, o reconhecimento dos funcionários de escola como profissionais da educação, a formação de educadores para habilitar mais de 600 mil profissionais em suas áreas de atuação e a desoneração dos recursos educacionais da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que retirou, em 2008, mais de 8 bilhões de reais do orçamento do Ministério da Educação.A CNTE defende a adoção de políticas públicas educacionais para a valorização dos trabalhadores em educação, o resgate da auto-estima desses profissionais e a melhoria da qualidade do ensino público. E a construção do Sistema Nacional de Educação é o principal caminho, hoje, para acabar com as desigualdades do ensino público oferecido nas diversas regiões do país.

CARTA DE PORTO ALEGRE

Derrotados nacionalmente nas urnas, os tucanos viram as políticas adotadas pelo governo Lula suplantar as amarras do neoliberalismo, capacitando o país a enfrentar a atual crise econômica mundial: os novos investimentos públicos, a responsabilidade nas contas públicas, a ampliação das políticas sociais, as desonerações fiscais que mantém o consumo e reduzem o impacto sobre o emprego, combinados com uma crescente e contínua diminuição da taxa de juros e um considerável crescimento do mercado interno devido à política de ganho real do salário mínimo.A nossa política externa, apostando na diversificação de parceiros econômicos, com ênfase para a América do Sul, Índia, China, África e o mundo árabe, diminuiu nossa histórica dependência do mercado americano, onde os efeitos da crise são mais expressivos. FHC defendia exatamente o contrário, tentou levar o Brasil à ALCA para juntar-se ao México. Hoje, mais do que os EUA, o México está completamente imerso na crise e com graves problemas para superá-la.A atual crise econômica internacional, mesmo apontando para uma falência do modelo, não tem sido debatida por seus defensores. Trata-se da crise do liberalismo econômico que tem como pilar o Estado mínimo, que foi adotado pelo governo FHC e está replicado nas gestões tucanas de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. A superação desta crise tem exigido a retomada do papel do Estado como regulador da economia, aportando recursos públicos para salvar as instituições privadas colhidas na avalanche de falências e concordatas, medidas estas hoje largamente adotadas pelos países do chamado capitalismo central.No período FHC, o liberalismo econômico foi aplicado com intensidade através da privataria, terceirização e concessões de serviços, isenções fiscais para grandes empresas, ausência de critérios definidos de desenvolvimento social, distribuição de renda e as instituições financeiras estatais sendo utilizadas para financiar as privatizações do serviço público, trabalhando à serviço do mercado especulativo.A Ação do PSDB ficou restrita à adoção de seu projeto político nos estados em que governa, notadamente Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. O modelo liberalizante brasileiro passa a ter uma roupagem regional e combinada. “Choque de gestão” e “Déficit Zero” tornaram-se as palavras de ordem em detrimento dos serviços e dos servidores públicos.Assim, nos três estados, a agenda passa a ter a máquina estatal como vilã e os servidores públicos como inimigos. Como resultado imediato, a pauperização dos serviços públicos, permitindo o crescimento de seus parceiros privados, em todas as áreas, como a segurança pública. A não aplicação dos recursos mínimos constitucionais em saúde e educação são exemplos clássicos desta política, ao mesmo tempo em que são desonerados os grandes oligopólios. É simbólico que a investida comece pela educação. A adoção de uma política educacional “fast food”, sem compromisso com a formação de uma consciência crítica, com currículos padronizados, voltados para a transmissão e não a elaboração do conhecimento. Alteração dos currículos de forma unilateral e em gabinetes, inchaço das salas de aulas, falta de diálogo e criminalização dos movimentos sociais e sindicais são uma constante.Alteração nos planos de carreira, com o fim da progressão por tempo de serviço, substituindo conquistas dos servidores por critérios difusos e nomes pomposos que dependem da vontade do governante, provocando a estagnação de carreiras, privilegiando outras, arrochando salários. No Rio Grande do Sul, o processo liberalizante está mais atrasado, tendo em vista a lotada agenda política da governadora que, sistematicamente, vê seu governo envolvido em graves denúncias e escândalos de corrupção. A blindagem da mídia esconde as mazelas dos governos Aécio e Serra, bem como permite que Yeda mantenha um certo equilíbrio instável, escondendo sua verdadeira face de desmonte do Estado.É importante ressaltar que o projeto implantado em Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul não é só um ataque aos direitos do servidores públicos. O modelo de gestão tão elogiado pela mídia impacta diretamente nas camadas que mais necessitam das políticas de Estado, na contramão do que tem caracterizado o governo Lula. Quem acaba pagando a conta dos “Choques de Gestão” e “Déficits Zero” é a própria população..Torna-se imperativa a nacionalização do debate sobre o que vem ocorrendo nestes três estados. Esta pode ser uma alternativa importante para barrar a tentativa de avanço do neoliberalismo.. Urge a unificação dos movimentos sociais, constituindo agendas comuns de desconstituição do bloqueio midiático, e a intensificação das lutas pela transparência, democratização e universalização do Estado e dos serviços públicos. Estes são os desafios do próximo período.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Desemprego atinge 21% dos jovens até 24 anos, diz IBGE

24/04/2009 - 13:56 - Agência Estado
O aumento na taxa de desemprego provocado pela crise afeta sobretudo a população mais jovem, afirmou nesta sexta-feira o gerente da pesquisa mensal de emprego do IBGE, Cimar Azeredo. Em março, a taxa de desemprego para a faixa etária de 16 a 24 anos subiu para 21,1%, a maior desde agosto de 2007.
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População desocupada sobe para 9% em março, mostra IBGE
Em fevereiro, a taxa para esse grupo era de 18,9%.Segundo Azeredo, a taxa para essa faixa da população é geralmente mais alta porque falta qualificação e experiência, dificultando a inserção no mercado de trabalho. "Com a chegada da crise e um número maior de pessoas procurando trabalho, a qualificação e a experiência vão falar ainda mais alto", disse.No que diz respeito ao desemprego por anos de estudo, Azeredo disse que a faixa mais afetada pela crise é a de desocupados com oito a 10 anos de estudo, ou seja, que não completaram o ensino médio. Para esse grupamento, a taxa de desemprego subiu de 10,3% em fevereiro para 11,3% em março.SetoresA indústria foi o setor da economia mais afetado pelo aumento do desemprego em março, disse também o gerente da pesquisa mensal de emprego do IBGE. A taxa de desemprego do setor praticamente dobrou de outubro do ano passado (3,1%), mês que marcou o início dos efeitos da crise na produção industrial, para março deste ano, quando chegou a 6,1%, a maior taxa de desemprego industrial apurada pelo instituto desde julho de 2003. Em fevereiro, a taxa de desemprego havia sido de 5,4% no setor."Há um cenário econômico que não está favorável, sobretudo para a indústria, e isso tem efeitos no mercado de trabalho", observou Azeredo. Em março, o número de pessoas ocupadas na indústria caiu 1,5% ante fevereiro e recuou 1,2% ante março do ano passado.Por outro lado, as maiores expansões no número de ocupados no mês passado foram apuradas no grupamento de educação, saúde e administração pública, com alta de 2% ante fevereiro e de 3,6% ante março de 2008.
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A nudez de Gilmar Mendes

Publicado no site da Carta Maior A discussão entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa pode ser tomada como causa eficiente de uma crise do Judiciário ou, pelo contrário, seria sintoma dos desvios institucionais promovidos pela judicialização da política, com amplo apoio de setores midiáticos?Ao afirmar que Mendes está “destruindo a credibilidade da Justiça brasileira", Barbosa deflagrou um processo ou desnudou a crise institucional e, de identidade, da mais alta corte dos pais? Independente do caráter notadamente pessoal do embate entre os dois ministros, ele não revelaria a erosão de legitimidade de um Poder que, ao se submeter a imperativos político-partidários, relegou a um plano secundário seu papel constitucional? Como já indagamos em artigos anteriores, ”quando o presidente do STF se apresenta, sem que ninguém tenha lhe delegado tal função, como artífice de "um novo pacto republicano", estamos diante do quê? De um magistrado para quem o texto normativo é apenas uma moldura suscetível a várias interpretações ou de um ativista que põe em risco a própria noção de Estado Democrático de Direito?” É uma pergunta ociosa dada a evidência da resposta.Gilmar Mendes se destaca pelo senso de urgência no que julga ser seu principal papel como magistrado: dar sustentação jurídica às teses da oposição parlamentar no combate ao governo Lula. Mas o faz de forma tão atabalhoada que constrange até mesmo os “bons companheiros” das grandes redações. Aqueles que, desolados, vêem a imprensa estrangeira fazer uma leitura totalmente distinta dos recortes que elaboram diariamente. Nessa empreitada, o presidente do Supremo tem sido alvo de crítica dos que lutam pela ampliação de direitos, pela criação de um ordenamento inclusivo, de uma legalidade que não seja restrita a um ordenamento institucional de distribuição de privilégios.Para Dom Xavier Gilles, presidente da Comissão Pastoral da Terra, o ministro “não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas os que valem, são os que impulsionam o “progresso”, embora ao preço do desvio de recursos, da grilagem de terras, da destruição do meio-ambiente, e da exploração da mão de obra em condições análogas às de trabalho escravo”. Segundo o bispo, Gilmar Mendes “escancara aos olhos da Nação a realidade do poder judiciário que, com raras exceções, vem colocando o direito à propriedade da terra como um direito absoluto e relativiza a sua função social. O poder judiciário, na maioria das vezes leniente com a classe dominante é agílimo para atender suas demandas contra os pequenos e extremamente lento ou omisso em face das justas reivindicações destes. Exemplo disso foi a veloz libertação do banqueiro Daniel Dantas, também grande latifundiário no Pará, mesmo pesando sobre ele acusações muito sérias, inclusive de tentativa de corrupção”.Em 27 de março de 2009, a Associação dos Juízes Federais do Brasil divulgou nota em que o presidente era chamado de “leviano” e veículo de maledicências e veículo de maledicências contra magistrados”. Quando, na história do STF, um ministro gerou reações tão contundentes? Será pela justeza das causas que esgrime ou pela natureza bonapartista que revela? O que dizer quando vemos que a instância máxima do Judiciário torna-se promotora de instabilidade social, uma prodigiosa fábrica de anomia?Ao atacar frontalmente movimentos sociais como o MST, o presidente do Supremo Tribunal Federal age como magistrado ou preposto de velhas pretensões oligárquicas? Afirmando que o governo estaria cometendo ilegalidades ao dar recursos a ONGs ligadas ao movimento, o que faz Gilmar Mendes senão confirmar cada ponto destacado por Dom Xavier? Há que se considerar intempestiva a reação de João Pedro Stedile que o definiu como “Berlusconi verde-amarelo”? Ou interpretá-la como justa indignação? Sabemos que as classes dominantes brasileiras gostam de falar uma linguagem liberal enquanto exercem formas autoritárias de governo. Se há de fato uma ação orquestrada desestabilizadora, sua novidade estaria no novo arranjo do poder, com a crescente primazia do judiciário tentando anular o poder Legislativo e Executivo. Repete-se a história de sempre: os ideais “republicanos” de alguns setores sucumbem aos velhos artifícios autoritários já testados.A denúncia do ministro Joaquim Barbosa guarda um paralelo com o papel desempenhado pelo menino que revelou a nudez real no famoso conto de Hans Christian Andersen. À sociedade cabe avaliar o papel dos tecelões. Deve lançar um olhar atento sobre tecidos, teares e jogos de espelho com que é construída a democracia brasileira. Ou, muitas vezes, desconstruída. Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro

Roberto Franklin Leão, presidente da CNTE, fala sobre a greve nacional pela implantação imediata do Piso Salarial Nacional

Qui, 23 de Abril de 2009 15:13
Leia entrevista do Observatório da Educação com Roberto Franklin Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), sobre a greve nacional pela implantação imediata do Piso Salarial Nacional.1 – Quais são as motivações da greve? De uma maneira geral, é para que a Lei do Piso seja cumprida. Não estamos nem discutindo, neste momento, o valor. Mas que seja colocada em prática uma lei que resulta de um grande debate, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional. Ela traz consigo um projeto de valorização profissional, um passo importante nesse sentido. Queremos que não seja mais uma daquelas leis aprovadas, aplaudidas no Congresso, e que depois não vingam na sociedade. A greve é para chamar atenção de que existe uma Lei do Piso que precisa ser cumprida. Há um nível de desinformação enorme, mesmo pelas secretarias de Educação, por isso temos que nos mobilizar, dar visibilidade à lei para que ela seja efetivamente colocada em prática.2 – A CNTE tem informações de como está o processo no Supremo Tribunal Federal (STF)?Um dos motivos da grande confusão nacional foi o fato de o STF ter considerado parcialmente o pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) dos governadores, mas até agora não publicou o acórdão da votação. Existe uma grande dúvida no País – em alguns casos não é dúvida, mas o pessoal se aproveita para não fazer nada –, várias interpretações de como deve ser feito o pagamento do piso. O problema é que a não publicação do acórdão criou uma série de interpretações a respeito, por exemplo, de quais gratificações vão compor o valor do piso, se as vantagens pessoais vão entrar, enfim, uma série de problemas que estamos vivendo hoje. Fizemos manifestação em 3 de abril em Brasília para pedir ao STF que apresse o julgamento do mérito e a publicação do acórdão. Foi criada uma frente parlamentar no Congresso Nacional em defesa do piso e estamos buscando fazer uma audiência com o presidente do STF e com o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, responsável pela redação do acórdão, para discutir com eles e apresentar nossos argumentos que mostram a legalidade da lei. 3 – A CNTE tem dimensão do que significaria em termos de investimento público a implementação da lei? Não. Como o piso sofreu ação de inconstitucionalidade em dezembro, o caos se instalou. Isso fez com que as prefeituras e estados ficassem nesse marasmo. O Ministério da Educação, por ocasião da votação da lei, trouxe estudos que apontavam claramente que os municípios e estados tinham condições de arcar com financiamento do piso. Além disso, os municípios que comprovadamente não tivessem condições seriam socorridos pelo Governo Federal. Existe um mecanismo de proteção na própria lei para que o piso seja efetivamente pago a todos os professores. O processo de debate contou com a participação dos ministérios da Fazenda e da Educação para a viabilização financeira e foi visto que era possível sim arcar com esse pagamento.4 – Quais são os municípios e estados que pagam abaixo do piso? Vou dar o exemplo do estado do Rio Grande do Sul, que paga abaixo e é uma pouca vergonha. Para o professor de primeira a quarta série, paga-se R$ 272,70 por 20h/aula. É um absurdo, uma situação que não pode continuar. Mas há uma dificuldade de fazer levantamento preciso nesse curto prazo porque somos 5550 municípios, e cada um tem uma situação, uma composição de jornada diferente. O piso é um primeiro e grande passo no sentido de construir uma situação profissional de valorização dos professores. Nossa reivindicação é que seja para todos os trabalhadores da educação. Mas é um passo que vai no rumo da construção de uma educação pública de qualidade, de um sistema nacional de educação articulado, que acabe com a fragmentação da educação pública brasileira. Gostaria de lembrar ainda que alguns dos grandes articuladores contra o piso foram os governadores de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Acontece que São Paulo, por exemplo, havia gasto, segundo a própria ex-secretária de Educação Maria Helena Guimarães, R$ 2 bilhões no projeto de capacitação de professores, o Teia do Saber. E ela mesma disse que o projeto não tinha dado em nada. E não queria gastar R$ 1,4 bilhão necessário para implantar o piso. Então, é uma opção política o pedido de inconstitucionalidade. Esses governos não consideram que esse é o caminho de valorizar o profissional.5 – Na cobertura da imprensa sobre a greve, é comum a crítica baseada no direito de aprender dos alunos. Como respondem a isso? Há outras formas de mobilização?O que fere o direito do aluno aprender é ter profissional trabalhando em situações ruins, das mais difíceis, como acontece no Brasil inteiro. Não haveria necessidade de fazer greve se a lei estivesse sendo cumprida. É um salário mínimo que está sendo negado aos professores. O direito do aluno de ter boa educação, boa aula, passa por ter profissional valorizado, trabalhando em condições tranqüilas para poder exercer seu papel na sociedade, que é de educar. Além disso, lutar por direito é uma aula que se dá aos alunos, eles devem aprender desde pequenos a defender seus direitos, o que consideram justo. É uma greve de advertência, para chamar a atenção para a realidade da educação pública brasileira, que não vai sair do lugar em que se encontra se não houver maior investimento, democratização da gestão e valorização profissional. É uma coisa maluca: os profissionais da educação são obrigados a fazer mobilização para que a lei seja aprovada, vão para o debate público nacional, cedem nas suas propostas, se dispõem ao diálogo, constroem junto com o Congresso Nacional uma lei que é aprovada por unanimidade e isso é feito tábula rasa. É um direito que foi conquistado e não vamos deixar de lutar para que se concretize. A luta foi feita, houve horas de debate, todos os partidos defenderam, e um dia antes da lei ser sancionada começou a reação desses governadores. É uma opção política, acham que a educação deve ser puramente instrumental, uma lógica perversa, que queremos combater.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Governo reduz meta de superávit e prevê salário mínimo de R$ 506

O governo decidiu reduzir sua meta de superávit fiscal primário para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, anunciou nesta quarta-feira (15) o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A medida consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2010.Outro parâmetro que consta da LDO para o próximo ano é o aumento do salário-mínimo, que deve ficar em R$ 506,50 - um aumento de 8,9%. Hoje, o salário-mínimo está em R$ 465. O novo valor entrará em vigor em janeiro, mas, pode ser revisto porque é baseado em projeções. .Na LDO de 2010, o governo manteve a previsão de crescimento de 2% da economia para este ano, 4,5% em 2010 e 5% em 2011 e 2012. O superávit primário é a diferença entre as receitas e as despesas do setor público, sem contar os gastos com juros. A partir deste ano, a Petrobras ficará excluída do cálculo do superávit, Isso significa que a empresa deixará de contribuir para o cumprimento das metas fiscais, o que abre espaço para que a estatal possa aumentar seus investimentos e contribuir para reduzir os efeitos da crise econômica no País. A meta de superávit primário até o ano passado era de 3,8%, contando com a ajuda da Petrobras. Com a saída da empresa dessa conta, a meta de superávit primário vai cair dos atuais 3,8% para 3,3% do PIB. Devido à necessidade de investir mais nesse momento de crise, o governo também vai propor ao Legislativo uma redução adicional no superávit primário. Com isso, a meta para este ano cai de 3,8% para 2,5% do PIB. A meta da União cairá de 2,15% para 1,40% do PIB. A das estatais, passa de 0,70% para 0,20%. Para estados e municípios, cai de 0,95% para 0,90%. Em 2010, os percentuais voltam ao nível atual, com exceção das estatais. A estimativa é que a parcela da Petrobras para investimentos suba para R$ 16,9 bilhões em 2010, R$ 18,5 bilhões em 2011 e R$ 20,3 bilhões em 2012.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Outra Perspectiva da Audiência Pública sobre Participação Popular

Andréa Túbero Silva
Gabriel Medina
A iniciativa da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT), de organizar a Audiência Pública sobre a Participação Popular na cidade, não podia ter ocorrido em hora mais oportuna. A imprensa local noticiou recentemente a posição do governo, por intermédio da coordenadoria de Participação Popular, de que a metade dos recursos de investimento, antes discutidos no Orçamento Participativo (OP), poderá agora ser definida de acordo com o programa de governo do atual prefeito. Posteriormente, foi veiculado também que o Prefeito partilhará “sua metade” da verba de investimentos com os vereadores do município, para atender as emendas parlamentares e evitar alterações na peça orçamentária, o que na prática 1- concentrará novamente o poder, porque tirará a decisão da população sobre a totalidade da verba de investimento; 2- estimulará relações clientelistas entre os vereadores e os(as) cidadãos(ãs), facilitando inclusive a apropriação privada do que é público; e 3- encolherá a dimensão pública de acompanhamento da representação e de controle social das políticas públicas e dos processos.
Antes de apresentarmos outra percepção da Audiência Pública sobre a Participação Popular, é preciso recordar que a eleição de Marcelo Barbieri foi vitoriosa graças a sua estratégia de campanha, que garantiu aos eleitores a continuidade dos processos, projetos e programas do governo anterior. Todos se lembram do slogan “o que é bom vai continuar”, incluindo-se o Orçamento Participativo. Foi assim que o candidato obteve o apoio significativo dos moradores dos bairros da cidade que aprovavam a administração anterior.
Nesse sentido, o propósito de aprimorar processos e políticas públicas é bem vindo, e tem toda legitimidade ao ser apresentado por um novo governo. Modificar o OP não é algo ruim por si só, o problema é a natureza das alterações propostas. Na prática, elas 1- enfraquecem a democracia direta e o controle social das políticas públicas, 2- interrompem a cultura de participação política iniciada pela administração do PT e seus aliados, em 2001, – referendada posteriormente nas urnas em 2004; e 3- desqualificam o processo eleitoral recente, uma vez que, o discurso da continuidade pressupõe a mesma concepção e o mesmo método/lógica. É isso que garantirá, na prática, a vontade popular de continuidade dos processos e políticas públicas implementadas, como os Centros de Referência da Mulher, do Adolescente e Afro, a Escola de Dança Iracema Nogueira, as Escolinhas de Esporte, as Frentes de Trabalho e o Projeto Prefeitura nos Bairros.
A polêmica central da Audiência Pública, diferente da versão dos fatos apresentada aos leitores, não se constituiu como mera disputa partidária entre os ex-membros do governo e atuais. O que ocorreu foi um diálogo franco, que evidenciou concepções distintas sobre a democracia representativa e direta, e o papel do Estado que, obviamente, implicam práticas políticas diferentes.
De um lado, estavam os vereadores do PT, militantes, e conselheiros do OP, que reconhecem a crise da democracia representativa, fruto de uma longa história que perpetuou os interesses de uma minoria rica, em detrimento de uma maioria pobre, que poderá ser revertida somente por meio de uma reforma consistente no sistema político atual.
De outro, os representantes do governo que, por meio da Audiência Pública, tiveram garantida a possibilidade de esclarecer afirmações veiculadas pela mídia impressa - de mudança da concepção do OP – e reafirmar seu compromisso de continuidade e ampliação da participação.
Outra voz, lamentavelmente, também se fez presente na Audiência. Alguns vereadores, com o propósito de impedir o debate de idéias sobre as práticas políticas, partiram para o ataque pessoal, sob o argumento de que deveríamos deixar posturas político-partidárias de lado, e priorizar os interesses da população. Qual população? Quais interesses públicos? Só o PT e seus aliados têm posturas político-partidárias? Essa insistência em não querer enxergar as desigualdades entre as classes sociais, entre as etnias e os sexos, que implicam necessariamente interesses contraditórios, garante a continuidade de atuações parlamentares individualizadas, versões modernas da velha cultura política coronelista, sustentada pelo poder econômico. Nessa cultura política predomina tudo, menos “os interesses da população”.
A Audiência Pública mostrou que a participação popular é hoje um “valor” da cidade, e não somente de um ou de outro partido. A forma como será realizada, se deliberativa ou apenas consultiva, revelará qual o compromisso do novo governo e dos legisladores com o aperfeiçoamento da democracia.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

É hora de regulamentar o Sistema Financeiro Nacional

Marcus Ianoni é cientista político

O estopim da atual crise recessiva internacional foi a desregulamentação financeira. Uma nova regulamentação das finanças globais está no centro da agenda das relações internacionais. Na próxima cúpula do G20, que ocorrerá em abril, em Londres, o tema principal do debate será a regulação dos mercados financeiros. Tanto Obama quanto os principais líderes governamentais da Europa têm declarado que implementarão políticas regulatórias. Constatar isso não significa endossar previamente ou se iludir com as decisões a serem tomadas. O Brasil, membro do G20, participará da cúpula de Londres. Mas o que se passa no sistema financeiro brasileiro em matéria regulatória? Resposta: já se passam vinte anos de não-regulamentação dos dispositivos constitucionais.
O artigo 192 da Constituição de 1988 era composto, antes de ser emendado em 2003, por um caput, oito incisos e três parágrafos. O caput era o seguinte: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:”.
Seguiam-se, então, oito incisos, entre os quais, destaco aqui o quarto, que explicitava que a lei complementar regulatória disporia sobre “IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas”.
Por fim, realço que o terceiro parágrafo determinava o seguinte: “§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”
Esse conteúdo da Constituição deixa claro que o sistema financeiro nacional deve 1) promover o desenvolvimento equilibrado do país, no sentido de eliminar as profundas desigualdades regionais e 2) servir aos interesses da coletividade, da nação, e não às oligarquias financeiras, como ocorria durante o período de crise inflacionária. A Subcomissão do Sistema Financeiro do Congresso Constituinte alertava que a atividade financeira era uma concessão do Estado e, por isso, deveria cumprir função social.
Promulgada a Constituição, em 4 de outubro de 1988, inicia-se imediata reação conservadora, pró-status quo da especulação financeira, dentro e fora do aparelho de Estado, contra o conteúdo do artigo 192. Em 6 de outubro, o Banco Central edita a Circular nº 1365, que dizia que enquanto não fosse editada a Lei Complementar mencionada no caput do artigo, o sistema financeiro nacional permaneceria operando sob o regime das leis até então vigentes, Leis 4595/64, 4728/65 e 6385/76, além das demais disposições legais e regulamentares a ele pertinentes e aplicáveis. Em 7 de outubro, o Diário Oficial publica o Parecer SR-70, de Saulo Ramos, então consultor geral da República. Esse parecer defendia que o parágrafo terceiro do artigo 192 não era auto-aplicável, requerendo a vigência da limitação dos juros regulamentação completa do referido artigo. Em 1997, o então senador José Serra apresentou a Proposta de Emenda Constitucional nº 21/97, que ansiava revogar todo o artigo 192. Essa PEC não foi integralmente aprovada, mas deu o tom da mudança, ensejou uma nova redação ao caput e a supressão dos oito incisos e três parágrafos, resultando no seguinte formato atual do artigo 192, dado pela Emenda Constitucional 40/2003, aprovada logo no início do primeiro governo Lula: ‘Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”
Assim, a EC nº 40/2003, fatiou a regulamentação do sistema financeiro nacional em várias leis complementares e suprimiu conteúdos originais do artigo 192, como a limitação dos juros. O efeito da EC nº 40 foi o completo esvaziamento do debate, no Congresso Nacional, da regulamentação do sistema financeiro. Desse modo, após quinze anos de polêmica sobre a regulamentação do sistema financeiro nacional, determinada pela Constituição Federal, encerrou-se, sem o cumprimento da missão parlamentar, um capítulo dessa disputa política.
Os quinze anos de contenda em torno da regulamentação do artigo 192 e a sua efetiva não-regulamentação não impediram que o Executivo e o Legislativo - em sintonia com os interesses financeiros organizados dentro e fora do país, mas mediante condições e procedimentos jurídico-institucionais muito questionáveis e a passividade do Supremo Tribunal Federal -, implementassem políticas regulatórias e de estabilização monetária pró-mercado financeiro, a começar pelo Plano Real. Em 1º de julho de 1994, entra em vigor não só a nova moeda, o real, mas também um novo Conselho Monetário Nacional, bastante insulado burocraticamente, composto pelos Ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central do Brasil. Em 1996, a Circular 2698, do BCB, cria o Comitê de Política Monetária (Copom). Com o colapso do câmbio fixo, entre fins de 1998 e início de 1999, a flutuação forçada do câmbio se faz acompanhar pela introdução, logo no início da gestão do BCB encabeçada por Armínio Fraga, da substituição da ancora cambial pelo regime de metas de inflação. Tal regime foi instituído por decreto do Presidente da República, amparado, entre outros, no artigo 84, inciso IV, da Constituição, a mesma Carta Magna cujo artigo 192 aguardava regulamentação. E também a mesma Lei das leis que, em seu artigo 48, diz: “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, [...] dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
[...]XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;
XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal.”
O momento é propício para que a regulamentação do artigo 192 retorne à agenda pública e institucional, seja pelas características da conjuntura, pelo impacto da crise, pelas deficiências jurídicas a serem sanadas, pelas condições político-institucionais – como o fato de lei complementar exigir, para aprovação, maioria absoluta de votos, e não três quintos -, pelo anseio sociopolítico de que a economia retome seu curso de crescimento, pela insatisfação dos consumidores e outros atores sociais com os bancos etc. O atual padrão de delegação do Congresso Nacional ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central, com o Legislativo controlando a autoridade monetária num momento ex post é, sob diversos aspectos, questionável e inadequado.
A adesão do PT à regulamentação do artigo 192 seria um passo coerente com a Resolução Política aprovada pelo Diretório Nacional em 11 de fevereiro, que, entre outros, 1) denuncia a “atitude inaceitável dos grandes bancos que retraíram a concessão de crédito e aumentaram muito as taxas de juros, apesar da forte redução dos compulsórios”; 2) enuncia a “queda do ‘muro de Berlim’ neoliberal” e 3) diz ser “fundamental que os partidos de esquerda e os movimentos sociais vinculados aos trabalhadores realizem um amplo e qualificado debate sobre a crise e, principalmente, sobre as alternativas”.
Uma das alternativas mais importantes à crise é justamente dar efetividade institucional ao desígnio do artigo 192 da Lei Magna, mesmo após a EC nº 40: “O sistema financeiro nacional [deve ser] estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”. Eis exposta uma missão parlamentar – que também pode ser abraçada pelo Executivo – a ser cumprida. E não se trata de missão impossível, senão oportuna, no Brasil e noutros países e regiões.

Reforma Agrária, falácias e preconceitos

06/04/2009
GUILHERME CASSEL
O PROFESSOR Zander Navarro escreveu um artigo surpreendente nesta Folha ("Tendências/Debates", 30/3) decretando que as políticas de reforma agrária são irracionais e desapareceram da agenda dos debates sobre desenvolvimento. A surpresa fica por conta do alto grau de desinformação expresso no texto de um pesquisador ligado à área do desenvolvimento rural.
Navarro faz denúncias genéricas sem apresentar um só dado para sustentar suas posições. E aponta uma suposta interdição do debate, atacando colegas pesquisadores.
O que fica evidente na sequência de ataques disfarçados de argumentos é que o olhar do autor é que parece estar fora do debate. Ele procura fazer da desinformação uma virtude e mal consegue disfarçar seu preconceito ideológico em relação a um problema histórico do Brasil.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Contra nova lei, teatro vai ao front

30/03/2009 - Jotabê Medeiros
A nova lei de incentivo à cultura viveu, na semana passada, seu primeiro teste na frente de batalha. Cerca de 200 atores, dramaturgos, diretores e produtores de teatro ocuparam, na manhã de sexta-feira, a sede da Fundação Nacional de Arte (Funarte), em São Paulo, protestando contra a política cultural do governo. Segundo Pedro Pires, diretor de teatro e membro da Companhia do Feijão, os manifestantes integram o chamado Movimento 27 de Março, e promoveram a ocupação para firmar sua posição contrária à renúncia fiscal - querem a supressão pura e simples desse mecanismo no Projeto de Lei que pretende substituir a Lei Rouanet, apresentado pelo governo na semana passada. Também preconizam a destinação de 2% do orçamento da União para a área cultural.Depois de alguma agitação, com a presença da Polícia Militar, os manifestantes resolveram sair e reiniciar o diálogo com o Ministério da Cultura e a Funarte. "Achamos que o capítulo 2 do Projeto de Lei, que trata do Fundo Nacional de Cultura, pode significar um avanço. A gente está aqui porque gostaria de negociar com o MinC o artigo segundo", considerou Pedro Pires.Há uma outra mobilização em curso movida pelo pessoal do teatro, desta feita nacional, pedindo reformulação no Projeto de Lei. Trata-se do Movimento Redemoinho, que une grupos teatrais de 14 Estados do País e que divulgou na semana passada a Carta de Salvador. O documento critica o plano de reformulação da lei. Segundo a carta, a proposta sustenta-se sobre as mesmas bases da lei anterior: o Fundo Nacional de Cultura e a renúncia fiscal. "A novidade aparente é a tentativa de articular essas instâncias num sistema capaz de controlar aquilo que surge como excesso nas captações e destinações. O que permanece intocado, entretanto, é o fundamento da lei - que não é apenas um excesso, mas uma aberração: a gestão privada de recursos públicos."Na sexta à noite, o staff do Ministério da Cultura se reuniu com cineastas, produtores e distribuidores de cinema na Cinemateca Brasileira, também em São Paulo. No intervalo das discussões, o ministro Juca Ferreira falou ao Estado sobre o incidente com grupos de teatro e as reivindicações da classe."É teatro. É natural dos que operam nesse setor se manifestarem através da linguagem que conhecem. Não se invade espaço aberto, nem se confronta com uma pessoa tão redonda quanto o Sérgio Mamberti. A tentativa de criar arestas não existe. E o que o setor levantou é acabar com a renúncia fiscal e mais recursos para a cultura. São as grandes demandas da invasão. Eu fico com medo até que pensem que a gente tem alguma coisa com essa invasão, tal é a semelhança que a demanda deles tem com a proposta nossa", disse o ministro.Juca Ferreira diz que é contrário à extinção pura e simples da renúncia fiscal. Considera que não é impossível fazer isso, mas não seria positivo. "O nosso projeto tira a prioridade do financiamento da cultura da dependência em relação à renúncia e fortalece o fundo não só orçamentariamente, mas na capacidade de operar esse fomento. Ele passa a ser o principal mecanismo", disse. "Mas a renúncia, como mecanismo secundário, junto com outros, que nós estamos criando, adquire a sua feição adequada. É importantíssimo que a gente atraia a área privada para o financiamento e o fomento, que realize de fato uma parceria público-privada. A responsabilidade social é um discurso importante. Mas no modelo atual não foi possível realizar isso."Segundo o ministro, em 18 anos de Lei Rouanet, só 10% dos investimentos vieram da contribuição privada. "90% foi o velho e bom dinheiro público", afirmou. O ministro já se encontrou também com lideranças dos partidos no Congresso nacional, e diz que "o nível de desconfiança é pequeno", especialmente porque as mudanças foram amplamente debatidas nos últimos seis anos."Acho que a grande vantagem da demora foi ter conquistado um certo espaço de credibilidade e de elucidação de algumas confusões que havia alguns anos atrás a respeito das nossas intenções nessa modernização. Acho que o setor todo amadureceu, a crise está chamando para a realidade. O modelo atual hoje tem uma fragilidade imensa, empresas recuando, até as estatais estão ausentes, não estão buscando dar uma contribuição para a área - por motivos que eu considero subjetivos."Para o governo, o maior debate vai se travar agora, em torno das regulações da legislação - especialmente a discussão dos critérios pelos quais um projeto pode ser aprovado ou rejeitado. Pelo nova lei, serão criados comitês gestores setoriais, com participação igual da sociedade civil e do governo, para gerir os 5 fundos que serão criados: Fundo Setorial das Artes (que abrange teatro, circo, dança, artes visuais e música), Fundo Setorial da Memória e Patrimônio Cultural Brasileiro, Fundo Setorial da Cidadania, Identidade e Diversidade, Fundo Setorial do Livro e da Leitura e Fundo Global de Equalização."Há uma necessidade de pactuar publicamente os critérios para os comitês avaliarem os projetos. Isso acho que complementa o processo de transparência, explicita a ideia do controle social e da participação dos setores na formulação e na execução dessas políticas", afirmou Ferreira. O secretário executivo do Ministério, Alfredo Manevy, afirmou que outras demandas dos setores artísticos deverão ser levadas em conta. Ele considerou justa a reivindicação do grupo Literatura Urgente, que pede que o Fundo do Livro e da Leitura não beneficie somente o setor editorial e livreiro, mas também alcance o autor e a literatura.Empresários e institutos também se mobilizam para marcar suas posições na legislação. Hoje, às 10 horas, investidores sociais privados irão ao gabinete do ministro da Cultura, em Brasília, para entregar um documento em que sugerem suas mudanças na legislação. Os investidores integram o Gife (Grupo de Institutos de Fundações e Empresas), a Confederação Nacional da Indústria e o Sesi. Segundo disse Fernando Rosseti, secretário-geral do Gife, a ideia é dar uma contribuição para a "análise mais técnica" necessária ao debate. O documento teve a participação de 70 pessoas ligadas a esses institutos e empresas.O Projeto de Lei de incentivo à cultura está disponível no endereço http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/

quarta-feira, 1 de abril de 2009

'Che' narra guerrilha e tomada do poder em Cuba

O médico e revolucionário (entre outras coisas) argentino Ernesto Che Guevara é uma figura tão polêmica quanto fascinante. Assim sendo, sua trajetória comporta bem mais do que um único filme. No caso do diretor Steven Soderbergh, ele fez dois, e o primeiro deles, Che, chega aos cinemas de São Paulo, Rio e Campinas, nesta sexta-feira.
Certamente, Soderbergh não foi o primeiro a inspirar-se na aventurosa vida de Che. Em 2004, o brasileiro Walter Salles dirigiu Diários de Motocicleta, baseado num livro de memórias de uma viagem da juventude do médico argentino.
No ano passado, o documentário Personal Che, de Adriana Mariño e Douglas Duarte, mostrou o quanto o personagem é visto por vários ângulos, desde vilão até santo milagreiro.
O filme de Soderbergh não busca responder quem foi realmente Che Guevara e qual a sua importância para a história do século 20. Trabalhando a partir de um roteiro assinado por Peter Buchman (Jurassic Park 3), baseado num livro de memórias do próprio revolucionário, o diretor filma com distanciamento quase documental dois momentos na vida do personagem: a campanha para a tomada do poder em Cuba, em 1959, e a visita à ONU em Nova York, em 1964.
Filmada em preto-e-branco, com uma imagem com aspecto de envelhecida, a viagem de Che (Benicio Del Toro, premiado como melhor ator em Cannes 2008 por esse trabalho) intercala as cenas de guerrilha ao lado de Fidel Castro (Demián Bichir). Nos Estados Unidos, o revolucionário se torna santo e demônio ao mesmo tempo.
Para o governo norte-americano, ele é uma força que deve ser reprimida antes de espalhar a revolução pelo resto do continente. Para outras pessoas, ele se torna quase um ícone pop, imagem que foi reforçada com a famosa foto de Alberto Korda, estampada em camisetas por todo o mundo, tornando-se o panfleto ambulante dos esquerdistas.
Uma fala central em Che é dita logo numa das primeiras cenas, por Raul Castro, interpretado pelo brasileiro Rodrigo Santoro (Não Por Acaso): "O importante não é tomar o poder; é saber o que fazer com ele." Soderbergh, porém, está mais interessado em mostrar como Che e seus aliados tomaram o poder e não com o que foi feito depois da derrubada do ditador Fulgencio Batista.
Por isso mesmo, Che é visto mais no meio da floresta, atuando na guerrilha, do que nos corredores do poder. A contraposição entre as cenas de luta e a burocracia na visita à ONU faz lembrar que toda revolução precisa, em certos momentos, de diplomacia e negociação.
No centro da obra de Soderbergh está o comprometimento de um homem com seus ideais. Se aqui o diretor mostra a ascensão de Che, com a Revolução Cubana, na segunda parte, Guerrilha, prevista para estrear nos próximos meses, o diretor explora a queda, com o fracasso da tentativa de revolução na Bolívia, que culminou na morte do guerrilheiro, em 1967.
De qualquer forma, seja nos corredores da ONU, numa festa chique em Nova York ou tendo um ataque de asma em plena selva, o Che Guevara que vemos na tela é uma figura tão fascinante quanto emblemática, uma pessoa disposta a lutar por seus ideais, seja pegando em armas ou duelando com palavras.

Ato nacional em São Paulo reúne mais de seis mil

Nesse dia 30 de março, o empresariado paulista foi obrigado a ver a crise de um outro ângulo. Pelas janelas da Fiesp, em plena avenida Paulista, os patrões viram o primeiro grande ato nacional contra as demissões. Foi a primeira resposta nacional dos trabalhadores à crise. Em todo o país, milhares de pessoas foram às ruas contra a crise e seus efeitos. A capital paulista abrigou o principal ato, que começou logo cedo, em frente à sede da Fiesp. O protesto contou com cerca de seis mil pessoas de várias categorias, movimentos, sindicatos e centrais sindicais, da capital e de cidades do interior.Apesar do cansaço, grande parte dos ativistas já havia participado de manifestações ainda na madrugada, o ânimo deu a tônica do protesto. “1, 2, 3, 4, 5, mil, ou param as demissões ou paramos o Brasil”, era a palavra-de-ordem dominante. O protesto partiu da sede da Fiesp rumo à avenida Consolação, parando em frente ao prédio da Caixa Econômica Federal. A mobilização reuniu diversas centrais, como a Conlutas, CUT, Força Sindical, CTB, NCST e CGT, além de movimentos como o MST, a Marcha Mundial de Mulheres e partidos de esquerda. “O dia de mobilização marcou o primeiro grande ato nacional contra as demissões. Apesar de importante, porém, há ainda diferenças profundas entre as centrais.