quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Fórum Social Mundial, décima edição

Breno Altman


Os milhares de ativistas que se reunirão em Porto Alegre, no final desse mês, terão várias razões para comemorar seu feito. Mas também estarão diante do fracasso de um dos conceitos estratégicos que levou à convocação do Fórum Social Mundial no início desse século.

Quando a primeira edição ocorreu, em 2001, as forças progressistas viviam ainda um forte ciclo de dispersão e recuo, apesar das manifestações anti-globalizaçã o em Seattle, Washington e Praga durante reuniões de organismos financeiros multilaterais. Os focos de resistência, mesmo se multiplicando, ainda não eram capazes de forjar alternativa ao mundo unipolar surgido após o colapso da União Soviética.

Desse quadro tampouco escapava a América Latina, território onde a hegemonia do neoliberalismo revelava sinais mais evidentes de fadiga, com a ruína de diversas administrações alinhadas com o Consenso de Washington.

A vitória eleitoral do venezuelano Hugo Chávez, em 1998, significara um passo importante na construção de cenário mais positivo para a esquerda, ladeada pela bancarrota do governo conservador equatoriano e pela crise política que, na Argentina, acabaria por desembocar na rebelião contra o governo De La Rua. Mas esses fatos, por relevantes que fossem, ainda não indicavam uma reviravolta continental nos idos de 2001.

O Fórum Social Mundial foi, então, a primeira iniciativa planetária, em muitos anos, capaz de reunir os brotos de mobilização político-social contra a coalizão imperialista liderada pelos Estados Unidos. Sua primeira edição, e algumas das seguintes, deram rosto ao protesto contra o desenho de mundo forjado pelos monopólios e seus governos.

Um dos segredos para reunir correntes e experiências tão diversas talvez residisse, para além do formato de uma feira mundial de idéias, no argumento-forç a de que os protagonistas do evento deveriam ser os movimentos sociais e as organizações não-governamentais. Havia uma declarada marginalização de partidos e governos, que apenas perifericamente puderam participar das atividades programadas.

Não se tratava de um truque organizativo. Entre os principais articuladores do Fórum, com expressiva repercussão em fatias eventualmente majoritárias dos ativistas presentes, predominava o ponto de vista de que o centro dinâmico de uma estratégia progressista tinha se transferido do Estado para a sociedade, dos partidos para os movimentos, da política institucional para as redes sociais.

Essa opção permitiu construir um arco amplo de participação, além de abrir espaços na couraça midiática. Na prática, o Fórum se apresentava como a negação da forma-política que faz parte da herança genética da esquerda. Apostava na horizontalizaçã o contra a verticalização, nas pautas de reivindicação contra os programas de governo, na resistência social contra a alternativa de poder. Muita gente podia entrar nesse barco.

Tal formatação revelou-se, com o passar do tempo, a benção e a agonia do Fórum. Não há dúvidas de que permitiu um impulso inicial sem precedentes, mas se provou um fracasso estrondoso como caminho estratégico.

Afinal, a recuperação política da esquerda, ao menos onde acontece com relevância, como é o caso da América Latina, passou centralmente pelo papel dos partidos e da política, pela conquista de governos e sua defesa. Mesmo as forças acumuladas pelos movimentos sociais confluíram para esse leito, auxiliando a desgastar e a isolar os blocos conservadores.

O discurso autonomista, tão proeminente nas primeiras edições do Fórum, apresenta-se hoje como uma relíquia exótica, desprovido de vida e conexão com a realidade. O que explica a irrelevância à qual, pouco a pouco, vai sendo condenado o próprio Fórum, de onde antes partiam tantas vozes que anunciavam o ocaso da forma-partido.

Já sem o brilho e a capacidade convocatória de suas primeiras edições, o Fórum Social Mundial volta a Porto Alegre. Nada indica que terá a mesma pujança do nascedouro, quando poderia ter desempenhado um papel de maior destaque na composição entre partidos, governos, intelectualidade e movimentos sociais.

Acabou aprisionado a fórmulas que garantiram sucessos iniciais, de público e crítica, mas que acabaram por limitar seus horizontes a uma estrutura de congraçamento, debate e inação.



É positiva eventual revisão da Lei da Anistia?

SIM

Justiça não é revanchismo
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE

É GROTESCO falar em "revanchismo" , ato pessoal de desforra por ofensa recebida, em referência à responsabilizaçã o dos atos inumanos, catalogados como crimes de lesa-humanidade, praticados por agentes do Estado ou pessoas que atuaram com sua autorização, apoio ou consentimento no período da ditadura instaurada em 1964. Trata-se de tema de Estado, e sua correspondência é justiça.
Acolhido o pleito social e político de necessidade de construção da democracia, sobreveio a Lei da Anistia, que reconheceu a injustiça da situação de fato e da aplicação das leis penais vigentes para os que se opuseram ao regime militar e é exclusiva para aqueles que cometeram crimes políticos e conexos. Mas ainda não resgatamos a verdade e a memória nem fizemos justiça, o que se choca com o ideário de consolidação do Estado democrático de Direito.
O Programa Nacional de Direitos Humanos estabelece a modernização da legislação para a promoção do direito à memória e à verdade, como diretriz. Revisão imprescindível, pois há muito entulho autoritário, atinente à lei de segurança nacional, aos arquivos secretos etc. No tocante à impunidade dos torturadores, desnecessária a alteração da lei de anistia.
A OAB ingressou em 2008 com ação para que o STF interprete a lei e declare que ela não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, na medida em que aqueles delitos não são considerados políticos, tampouco conexos. O processo está com o procurador-geral da República desde fevereiro de 2009 e, devolvido, o ministro relator, Eros Grau, poderá colocá-lo em julgamento.
A sociedade clama ao Supremo a resposta necessária para a construção da paz. Não aceita a impunidade e não almeja vindita. Encaminha apelo, lançado pelo Comitê contra a Anistia aos Torturadores, assinado, entre outros, por Antonio Candido, Chico Buarque de Holanda, Aloysio Nunes Ferreira, Chico Whitaker, Alberto Silva Franco, Marilena Chaui, Leandro Konder, Hélio Bicudo, Boaventura de Sousa Santos e mais 11 mil pessoas (www.ajd.org. br).
Quer justiça, dentro dos parâmetros da dignidade humana, estabelecidos na Constituição, em convenções e em tratados internacionais.
Os regimes ditatoriais da América Latina adotaram um sistema penal paralelo e subterrâneo. Impuseram penas sem processo, cometeram homicídios, desaparecimentos forçados, torturas, suplícios, sequestros, crimes sexuais, tudo com requintes de crueldade.
Para enfrentar esse legado de violência, vários países já compreenderam o sentido do direito penal internacional. Revelam a verdade, resgatam a memória e examinam as violações ocorridas no período ditatorial à luz da Justiça, e o fazem na perspectiva de que os crimes contra a humanidade protegem bens jurídicos que extrapolam os limites do direito penal nacional e atinge a comunidade internacional. Atinge a humanidade.
É necessário que o passado de violação e impunidade não continue a ser o parâmetro do presente para que possamos consolidar a democracia e, no futuro, viver em um Brasil que não abrace a cultura autoritária de violência no seu dia a dia.
Hitler dizia que ninguém se lembrava mais do genocídio de 1,5 milhão de armênios. Assim tivemos o genocídio dos judeus. Crimes que não atingiram apenas aquelas pessoas e povos, mas toda a humanidade.
Sobre a dor e o sangue deles é que foram forjadas as normas internacionais que não admitem a impunidade dos crimes contra a humanidade, que protegem direitos inderrogáveis acolhidos pelo direito internacional, tratando-se de "ius cogens", normas que vinculam independentemente da vontade dos sujeitos da relação jurídica e que todos os países signatários, como o Brasil, têm a obrigação internacional de investigar e punir -e para os quais não há anistia ou prescrição.
Afirmar que houve anistia para os torturadores é ética e juridicamente insustentável. Fere o patamar civilizatório em que a humanidade se encontra. Justiça! Já não é sem tempo.

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KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE , juíza de direito em São Paulo, é co-fundadora e secretária da Associação Juízes para a Democracia.

Brasil tem condição de vencer a pobreza extrema até 2016

Comunicado da Presidência nº 38, apresentado em São Paulo, analisa a melhoria nos indicadores

O Brasil encontra-se diante da oportunidade histórica de praticamente erradicar a pobreza extrema até 2016 e obter o menor índice de desigualdade de renda desde que os registros começaram a ser feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1960. Para atingir esses resultados, o País precisa manter o ritmo de melhorias sociais observado nos últimos cinco anos, segundo o Comunicado da Presidência nº 38, apresentado nesta terça-feira, 12, em São Paulo.

O estudo, intitulado Pobreza, desigualdade e políticas públicas, foi detalhado pelo presidente do Instituto, Marcio Pochmann, no auditório da Superintendência da Caixa Econômica na Praça da Sé. O documento mostra que, entre 2003 e 2008, a queda média anual na taxa nacional de pobreza extrema (até ¼ de salário mínimo per capita) foi de 2,1%. Já a queda média anual na taxa de pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de 3,1%.

Caso o desempenho do período 2003-2008 seja projetado para 2016, o Brasil chegará ao ano da Olimpíada no Rio de Janeiro com indicadores sociais próximos aos dos países desenvolvidos, aponta o Comunicado da Presidência. O índice de Gini (uma das mais conhecidas medidas de desigualdade de renda), por exemplo, atingiria 0,488 naquele ano, ante 0,544 em 2008. Quanto mais próximo de 1, mais desigual é o país. A Itália tem, atualmente, um índice de 0,33, enquanto nos Estados Unidos ele é de 0,46, e na Alemanha, de 0,26.

"Se em 2008 a taxa de pobreza absoluta era de 28,8%, em 2016 pode chegar a 4%. Da mesma forma, a pobreza extrema pode ser reduzida a 0%", afirmou Pochmann, ressaltando que acabar definitivamente com a pobreza é um desafio que nem países altamente desenvolvidos conseguem superar. O presidente do Ipea declarou que o intervalo de 2003 a 2008 foi o melhor período de redução da pobreza no País.

Entre os motivos para essa melhoria, Pochmann destacou a maneira como o Estado se estruturou, desde a Constituição de 1988, para lidar com a problemática da pobreza. "Até 1988, o Estado atendia a população de maneira quase filantrópica, ou não atendia. As grandes estruturas de atendimento armadas desde a Constituição estão em sintonia com aquelas existentes em países desenvolvidos", disse.

"A despeito do crescimento econômico pequeno nos anos 1990, as mudanças evitaram que pudéssemos ter desestruturação social", continuou o presidente do Ipea, que mencionou ainda a descentralização das políticas públicas (com papel maior assumido pelos municípios) e a maior participação da sociedade na conformação e gestão das políticas sociais como fatores preponderantes para os avanços.

Segundo Pochmann, o Instituto divulgará em breve uma outra pesquisa com a mesma temática, analisando a mudança do perfil dos pobres no Brasil nas últimas quatro décadas.


Leia a íntegra do Comunicado da Presidência nº 38

Veja os gráficos

http://www.ipea.gov.br/default.jsp

Após desentendimentos, Lula assina decreto para mudar plano de Direitos Humanos

Yara Aquino
Da Agência Brasil
O desentendimento entre militares e a área de direitos humanos em torno da terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos foi resolvido hoje (13) com um novo decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que retira a expressão "repressão política" e mantém o termo "violação aos direitos humanos".

A mudança ocorre na diretriz que trata do reconhecimento da memória e da verdade e tem como primeiro objetivo estratégico "promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil no período fixado pelo art. 8º do ADCT da Constituição, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".

O decreto também trata da criação de um grupo de trabalho para elaborar o anteprojeto que cria a Comissão da Verdade. O decreto anterior continua valendo e o novo apenas retira a expressão e cria o grupo de trabalho sobre a comissão. Os outros pontos polêmicos do texto ficam, portanto, mantidos.

Na avaliação de assessores do Planalto, a controvérsia se tratou de um ruído político que será resolvido pelo grupo de trabalho e os ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi e da Defesa, Nelson Jobim, entenderam que o melhor caminho é o entendimento.

A solução foi fechada na manhã de hoje em reunião dos ministros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem (12), Jobim e Vannuchi já haviam se encontrado para discutir o assunto.
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