Depois de dez dias na estrada pelo interior de São Paulo, caminhada termina nesta quinta-feira (18/03) com um ato em frente ao estádio do Pacaembu, na capital paulista. A ação, organizada pela Marcha Mundial das Mulheres, teve como lema a frase “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”. A caminhada no Brasil faz parte de uma grande mobilização internacional, que inclui mais de 50 países e termina no dia 17 de outubro, em Kivu do Sul, na República Democrática do Congo.
Bia Barbosa (*)
Foram mais de cem quilômetros de caminhada, em dez dias de pé na estrada, muito sol e também muito aprendizado. Nesta quinta-feira (18/03), termina, com um grande ato em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, a 3a Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil. Desde 8 de março, Dia Internacional da Mulher, duas mil mulheres de todas as regiões do país - há 25 estados representados - estão caminhando pelo interior do estado, num percurso que passou por dez cidades entre Campinas e São Paulo, para dar visibilidade à luta das mulheres e reivindicar mudanças em suas vidas.
Com o lema “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”, a pauta de reivindicações das mulheres para este ano está organizada em quatro eixos: autonomia econômica das mulheres; bens comuns e serviços públicos; paz e desmilitarização; e violência contra as mulheres. A caminhada no Brasil faz parte de uma grande mobilização internacional, que inclui mais de 50 países e termina no dia 17 de outubro, em Kivu do Sul, na República Democrática do Congo.
Para a ação no Brasil, os eixos forma adaptados à realidade das mulheres do nosso país, dando contorno à plataforma que foi apresentada à sociedade a ao Estado durante esses dez dias de marcha. Entre as demandas colocadas estão a criação de aparelhos públicos que liberem as mulheres do serviço doméstico, a não privatização de nossos recursos naturais, o aumento do salário mínimo, o fim de todas as formas de violência contra a mulher, a realização da reforma agrária e a legalização do aborto.
A marcha também demonstrou sua solidariedade à população do Haiti após o terremoto que atingiu o país em janeiro. Ao longo dos dias, houve coleta de contribuições em dinheiro para a reconstrução da ação das mulheres da Marcha Mundial no país. As mulheres promoveram ainda panfletagens, batucadas e diferentes intervenções junto à população das cidades por onde passaram. E não se calaram diante de ofensas que ouviram daqueles (e até daquelas) que ficaram incomodados pelo tumulto no trânsito. Os gritos chauvinistas de "vai trabalhar!” ou “vai lavar louça!” era imediatamente respondidos em uníssono pelas militantes com as palavras de ordem: “Se cuida, se cuida, se cuida, seu machista! A América Latina vai ser toda feminista!”.
Aprendizado coletivo
Campinas, Valinhos, Vinhedo, Louveira, Jundiaí, Várzea Paulista, Cajamar, Jordanésia, Perus e Osasco. Se uma hora a acolhida não é tão boa, como as caminhantes sentiram em Jundiaí - "parecia que gente na Prefeitura queria empurrar a marcha pra longe de lá", contaram as marchantes -, em outros momentos é o apoio de terceiros que dá força pra seguir queimando os pés no asfalto.
O esquema organizativo, de apoio e de infra-estrutura foi crucial para o sucesso da marcha, construída integralmente pelas mulheres, divididas em equipes de cozinha, limpeza, infra-estrutura, segurança, comunicação, formação e cultura, saúde, água e creche, para cuidar das crianças que acompanharam as mães na caminhada. Além das equipes, as delegações se revezaram para os trabalhos de limpeza dos alojamentos e na cozinha.
O grupo da Saúde foi um dos que mais sofreu com a inexperiência de tantas caminhantes de primeira viagem. "Tem companheira que esquece de trazer seu remedinho diário e aí passa mal. E outras que esticam demais à noite e esquecem que o outro dia será mais difícil de aguentar", conta Terezinha Vicente Ferreira, militante feminista da Articulação Mulher e Mídia. Mas ela acredita que esse tipo de ação ajuda as mulheres não só a dar visibilidade às suas lutas - "embora a grande imprensa finja que não estamos nas ruas" -, mas também a tornar mais fortes e organizadas as práticas coletivas.
Além do cansaço de andar horas e horas pela manhã - que não é o costume da maioria - , comer a comida simples possível de providenciar para tanta gente, deixando pra lá o hábito alimentar da cada uma, e ainda enfrentar locais para dormir sem nenhum conforto, as participantes se dispuseram a uma extensa agenda de debates e atividades durante a caminhada. "E no entanto tem sido a parte mais entusiasmada da ação: o encontro com as debatedoras convidadas, as rodas de conversa. Tudo está acontecendo", conta Terezinha.
A Ação contou com duas participações especiais. No dia 11, em Louveira, a feminista brasileira, radicada na França, Helena Hirata, debateu o trabalho das mulheres e a autonomia econômica. Helena vive há 40 anos na França, para onde se mudou quando foi exilada pela ditadura militar. Ela contou às militantes da Marcha que justamente neste 8 de Março, quando começava a caminhada delas de Campinas a São Paulo, foi que enfim obteve oficialmente sua anistia.
Em Perus, no dia 16, Aleida Guevara, médica cubana e filha de Ernesto Che Guevara, falou sobre paz e desmilitarização, num discurso que emocionou a repleta tenda de formação da Marcha. Em Cuba, o aborto é legalizado e a licença maternidade dura 12 meses, podendo ser dividida entre a mãe e o pai. “Eu nasci em um país socialista, onde a mulher é tratada com respeito e igualdade de direitos”, comemorou Aleida. “Não podemos dar receitas, nem dizer o que vocês precisam fazer. Mas podemos mostrar nossa realidade e dizer que, se um país pequeno e pobre como o nosso conseguiu, o Brasil também consegue”, incentivou a cubana.
A história da Marcha Mundial das Mulheres
A Marcha Mundial das Mulheres nasceu em 2000 como uma grande mobilização contra a pobreza e a violência. Naquele ano, as ações começaram justamente em 8 de março e terminaram em 17 de outubro (Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza), organizadas a partir do chamado “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”.
A inspiração para a criação da Marcha partiu de uma manifestação realizada cinco anos antes (em 1995), no Canadá. Na ocasião, 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. A ação marcou a retomada das mobilizações das mulheres nas ruas, fazendo uma crítica contundente ao sistema capitalista como um todo. Ao seu final, diversas conquistas foram alcançadas naquele país, como o aumento do salário mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária.
Assim como no Canadá, as duas mil marchantes que chegam nesta quinta a São Paulo foram saudadas por outras mulheres ao longo do trajeto com pães e rosas, como na chegada à cidade de Valinhos. Sem dúvida, uma das imagens mais belas desta marcha que deixará marcas na vida de tantas brasileiras.
* Com informações da Marcha Mundial das Mulheres (www.sof.org.br/acao2010) e da Ciranda (www.ciranda.net)
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16456&boletim_id=659&componente_id=11006
Bia Barbosa (*)
Foram mais de cem quilômetros de caminhada, em dez dias de pé na estrada, muito sol e também muito aprendizado. Nesta quinta-feira (18/03), termina, com um grande ato em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, a 3a Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil. Desde 8 de março, Dia Internacional da Mulher, duas mil mulheres de todas as regiões do país - há 25 estados representados - estão caminhando pelo interior do estado, num percurso que passou por dez cidades entre Campinas e São Paulo, para dar visibilidade à luta das mulheres e reivindicar mudanças em suas vidas.
Com o lema “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”, a pauta de reivindicações das mulheres para este ano está organizada em quatro eixos: autonomia econômica das mulheres; bens comuns e serviços públicos; paz e desmilitarização; e violência contra as mulheres. A caminhada no Brasil faz parte de uma grande mobilização internacional, que inclui mais de 50 países e termina no dia 17 de outubro, em Kivu do Sul, na República Democrática do Congo.
Para a ação no Brasil, os eixos forma adaptados à realidade das mulheres do nosso país, dando contorno à plataforma que foi apresentada à sociedade a ao Estado durante esses dez dias de marcha. Entre as demandas colocadas estão a criação de aparelhos públicos que liberem as mulheres do serviço doméstico, a não privatização de nossos recursos naturais, o aumento do salário mínimo, o fim de todas as formas de violência contra a mulher, a realização da reforma agrária e a legalização do aborto.
A marcha também demonstrou sua solidariedade à população do Haiti após o terremoto que atingiu o país em janeiro. Ao longo dos dias, houve coleta de contribuições em dinheiro para a reconstrução da ação das mulheres da Marcha Mundial no país. As mulheres promoveram ainda panfletagens, batucadas e diferentes intervenções junto à população das cidades por onde passaram. E não se calaram diante de ofensas que ouviram daqueles (e até daquelas) que ficaram incomodados pelo tumulto no trânsito. Os gritos chauvinistas de "vai trabalhar!” ou “vai lavar louça!” era imediatamente respondidos em uníssono pelas militantes com as palavras de ordem: “Se cuida, se cuida, se cuida, seu machista! A América Latina vai ser toda feminista!”.
Aprendizado coletivo
Campinas, Valinhos, Vinhedo, Louveira, Jundiaí, Várzea Paulista, Cajamar, Jordanésia, Perus e Osasco. Se uma hora a acolhida não é tão boa, como as caminhantes sentiram em Jundiaí - "parecia que gente na Prefeitura queria empurrar a marcha pra longe de lá", contaram as marchantes -, em outros momentos é o apoio de terceiros que dá força pra seguir queimando os pés no asfalto.
O esquema organizativo, de apoio e de infra-estrutura foi crucial para o sucesso da marcha, construída integralmente pelas mulheres, divididas em equipes de cozinha, limpeza, infra-estrutura, segurança, comunicação, formação e cultura, saúde, água e creche, para cuidar das crianças que acompanharam as mães na caminhada. Além das equipes, as delegações se revezaram para os trabalhos de limpeza dos alojamentos e na cozinha.
O grupo da Saúde foi um dos que mais sofreu com a inexperiência de tantas caminhantes de primeira viagem. "Tem companheira que esquece de trazer seu remedinho diário e aí passa mal. E outras que esticam demais à noite e esquecem que o outro dia será mais difícil de aguentar", conta Terezinha Vicente Ferreira, militante feminista da Articulação Mulher e Mídia. Mas ela acredita que esse tipo de ação ajuda as mulheres não só a dar visibilidade às suas lutas - "embora a grande imprensa finja que não estamos nas ruas" -, mas também a tornar mais fortes e organizadas as práticas coletivas.
Além do cansaço de andar horas e horas pela manhã - que não é o costume da maioria - , comer a comida simples possível de providenciar para tanta gente, deixando pra lá o hábito alimentar da cada uma, e ainda enfrentar locais para dormir sem nenhum conforto, as participantes se dispuseram a uma extensa agenda de debates e atividades durante a caminhada. "E no entanto tem sido a parte mais entusiasmada da ação: o encontro com as debatedoras convidadas, as rodas de conversa. Tudo está acontecendo", conta Terezinha.
A Ação contou com duas participações especiais. No dia 11, em Louveira, a feminista brasileira, radicada na França, Helena Hirata, debateu o trabalho das mulheres e a autonomia econômica. Helena vive há 40 anos na França, para onde se mudou quando foi exilada pela ditadura militar. Ela contou às militantes da Marcha que justamente neste 8 de Março, quando começava a caminhada delas de Campinas a São Paulo, foi que enfim obteve oficialmente sua anistia.
Em Perus, no dia 16, Aleida Guevara, médica cubana e filha de Ernesto Che Guevara, falou sobre paz e desmilitarização, num discurso que emocionou a repleta tenda de formação da Marcha. Em Cuba, o aborto é legalizado e a licença maternidade dura 12 meses, podendo ser dividida entre a mãe e o pai. “Eu nasci em um país socialista, onde a mulher é tratada com respeito e igualdade de direitos”, comemorou Aleida. “Não podemos dar receitas, nem dizer o que vocês precisam fazer. Mas podemos mostrar nossa realidade e dizer que, se um país pequeno e pobre como o nosso conseguiu, o Brasil também consegue”, incentivou a cubana.
A história da Marcha Mundial das Mulheres
A Marcha Mundial das Mulheres nasceu em 2000 como uma grande mobilização contra a pobreza e a violência. Naquele ano, as ações começaram justamente em 8 de março e terminaram em 17 de outubro (Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza), organizadas a partir do chamado “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”.
A inspiração para a criação da Marcha partiu de uma manifestação realizada cinco anos antes (em 1995), no Canadá. Na ocasião, 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. A ação marcou a retomada das mobilizações das mulheres nas ruas, fazendo uma crítica contundente ao sistema capitalista como um todo. Ao seu final, diversas conquistas foram alcançadas naquele país, como o aumento do salário mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária.
Assim como no Canadá, as duas mil marchantes que chegam nesta quinta a São Paulo foram saudadas por outras mulheres ao longo do trajeto com pães e rosas, como na chegada à cidade de Valinhos. Sem dúvida, uma das imagens mais belas desta marcha que deixará marcas na vida de tantas brasileiras.
* Com informações da Marcha Mundial das Mulheres (www.sof.org.br/acao2010) e da Ciranda (www.ciranda.net)
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16456&boletim_id=659&componente_id=11006
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